“ O calão da nossa banda”
Por: Mwana Afrika
Hodiernamente, verificamos um fenómeno de linguagem especial
usado sobretudo por jovens para indicar outras palavras informais da língua,
com o objectivo de fazer um segredo, um acto cómico ou criar um grupo com seu
próprio dialecto.
A língua portuguesa em Luanda, sofre quase sempre,
constantes alterações interessantes, com maior incidência no discurso oral.
Empregada na sua maioria por jovens,” o calão da
nossa banda”, observa-se que seu uso cresce até mesmo entre os meios de
comunicação de massa.
Apesar do português ser “nossa língua mãe”,
acreditamos que há várias formas de se falar português e que muitos mwangolés,
ainda estão “wazebelé”, ou melhor, temos dificuldades em nos expressar. Daí que
inventam-se termos, que por nós, fica mais fácil.
Não existe mesmo em outra parte do globo. O nosso
“calão da banda” faz toda diferença.Tudo a seu tempo. Vai e vem, vai e vem... Temos
sempre, termos novos. Cada termo com seu “tempo de reinado”. Ora, usam-se os
termos: “VO TI ENTRA” – vou te bater “VO NI AGI” – vou lutar com ele/a“VAMU NI AGUENTA” – vamos tirar/possuir o que é dele“TABATOTA” ou “STA SEBEM” – esta tudo bem“VAGUENTU” – vai aguentar“TÁ BATE” – esta na moda“MO CIENTE” ou “MO SANGUE” – meu cúmplice“MO WI” ou “MO AVILU” – meu amigo ou companheiro
São múltiplos os termos criados, até chegar nos que
“estão a bater” ou melhor, estão na moda, como o kabotxobotxo e o swagger.Muitos de nòs, consideramos este um falar errado,
porque não corresponde à gramática portuguesa. Se repararmos bem, na gramática
portuguesa, nos deparamos frequentemente com expressões usadas somente no
Brasil, ou somente em
Portugal. Então, porquê não introduzirmos também algumas
palavras usadas somente em Angola?
"Cumué?" "Já foste lá? –
ainda"; "Ele é mo mais velho"... Certamente esse tipo de
expressões já não nos surpreendem, porque como angolanos, já nos habituamos a
ouvir. Mas se pusermos um brasileiro ou um português a ouvir tais expressões,
certamente se surpreenderá. Tendo em conta que o nosso português sofre uma
forte cadência das nossas línguas nacionais, o Kimbundo e o Kingongo, em
primeiro lugar.
O calão do "mwangolé" tem sofrido,
ultimamente, uma forte expansão, que tem se verificado não somente no interior
do país, mas também em outros países lusófonos. Em Moçambique, o
"Kota", o "Bué", ouve-se por toda parte, entrando
consequentemente no vocabulário local. O mesmo verificar-se em Portugal, onde
tais palavras já foram inclusive, inclusas no novo dicionário da língua
portuguesa.
Tais expressões nascem na maior parte dos casos
como códigos, como linguagem que pode ser usada entre um grupo de amigos, de
modos que os outros não possam perceber. O uso frequente faz com que muitos
venham a tomar conhecimento dos tais códigos, fazendo também o uso das mesmas.
Muitas vezes, tais códigos trazem inspiração das nossas línguas nacionais,
fazendo assim um “mix” entre português e língua nacional.
Com o uso de tais expressões alguns angolanos
sentem-se "mais angolanos", o que estimula o frequente crescimento do
uso das mesmas. Na verdade, hoje em dia, políticos, artistas e varias
entidades, são deparadas a usarem os vários calões, criando assim uma maior
aproximação entre eles e a juventude em geral.
O país que de certa forma encontrava-se mais
relutante em "aceitar" o calão angolano é certamente Brasil, sendo
aquele país muito ligado a própria cultura e as próprias expressões. Mas com a
"invasão" do kuduro neste país, a aceitação tornou-se inevitável. O
kuduro, é sabido, carrega dentro de si um conteúdo extremamente
"mwangolé", uma série de expressões que são usadas somente em Angola,
e muitas vezes só nos subúrbios.
Através da música, o calão tem penetrado no
vocabulário brasileiro, ainda que em pequena proporção. As ondas musicais e não
só, poderão certamente contribuir para a expansão da "linguagem
mwangolé".
A música sempre se revelou como o maior meio de
propagação do calão angolano, sobretudo em Angola: país muito ligado ao ritmo e
à musica. A linguagem do "ghetto" tornou-se hoje em dia linguagem
pública, podendo a mesma ser exprimida em simples palavras mas inclusive em
frases inteiras. O "está a correr tudo bem", pode ser traduzido em
"tudo tá sair bem", o "gostei daquela coisa" em
"aquele mambo me cuiou", etc etc. Deste modo, não se fala somente em
palavras angolanas, mas em linguagem angolana, o que implica que já podemos
criar um nosso dicionário.
Dicionário que necessitaria de ser frequentemente
actualizado, porque as expressões vêm e vão, assim como algo pode entrar e sair
da moda.
Tendo em conta o facto de que nenhuma língua exista
isoladamente, isto é, independentemente dos factores que a rodeiam, a cultura,
a politica, os hábitos e costumes, etc., o português angolano não constitui
excepção. Todos estes factores influenciam na propagação da nova linguagem
angolana.
O calão representa um factor muito importante para
a identificação de uma sociedade, assim como acontece com muito outros países
que falam a mesma língua. Um exemplo básico é o inglês. O inglês americano
apresenta grandes laços de diferenciação ao inglês da Inglaterra, sobretudo no
discurso oral.
Nos Estados Unidos usa-se frequentemente o calão e a gíria, que
provocam uma grande distinção na linguagem dos dois países. Pela audição,
pode-se notar se o sujeito é americano ou inglês. O mesmo acontece com o calão
angolano. O calão e a gíria podem caracterizar uma sociedade, tornando-se assim
num meio de identificação de uma comunidade.
Será que com o “nosso calão da banda” já pode ser
considerado de “fenómeno de imposição cultural”? Eis a questão.Com a globalização, um novo entendimento de
aculturação vem se tornando um dos aspectos fundamentais na sociedade. Mas
felizmente, quanto a “cultura do linguajar mwangolé”, parece que não nos vamos
deixar aculturar, pelo contrário: parece que vamos aculturando os outros povos
de expressão portuguesa. “Stamus mbora bem”. A verdade é que, se é correcto ou não... É “mbora
nossa linguagem”. Muito nossa, com mais cultura, mas identidade...Mas nós e
mais Angola!!!
In: Jornal Cultura / Maio de 2012
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